Tuesday, November 28, 2006

da civilizatória sanha

"Os europeus descobriram na América uma porção de homens descobertos e logo trataram de cobri-los".

Desejei conhecer o Mundo Novo, repleto de liberdade, dádivas e encantamento. Mas o Mundo Velho está no meu sangue, carrega-me feito um rio sujo e lamacento. Nas pequenas ações cotidianas me policio para evitar as manifestações dessa maldição européia. Mas nas próprias expressões da fala e da escrita percebo a ansiosa herança de meus ancestrais.

Quando falam da Europa e de seu conforto material, e eu aqui na selva catando moedas para pagar a conta de água e luz, sinto-me quase livre dessa onda negra que varreu continentes, devastou civilizações e jamais pediu perdão.

Como pode um ser almejar a paz e o conforto antes de alcançar o perdão de seus oprimidos e desgraçados? Não pode, é o que dizem as fibras do meu insólito entendimento. A Europa e suas adjacências permanecem falando de castigo e diabos, apoiando tiranias, como nos velhos tempos, adorando supostos representantes do deus da humildade trajados de seda e incrustados de pedrarias, enquanto no mundo selvagem os pássaros cantam todas as manhãs, livres de Jeová e das pregações insanas de seus profetas.

A Natureza é dura e cruel para com os atores do teatro humano. Ela quer, e vai tirar nossas máscaras, apesar da fanática resistência. Um siriri cantando livre, sentado no tronco seco da guabiroba, nu e desprovido de toda crença e de toda posse, é uma ofensa para o espírito europeu disseminado nessas plagas. O polonês e o italiano que correm em meu sangue invejam a majestade despojada do siriri.

Vejo nos filmes como se amarravam em roupas os nossos ancestrais, a cada século mais amarfanhados para esconder as vergonhas, e ainda hoje nos amarramos em novos e sofisticados andrajos. Criaturas amaldiçoadas, talvez, pelos nossos próprios pecados seculares, e a cada ano promovemos a queda e o sofrimento de novos inocentes. Orgulhamo-nos de nossas conquistas, do domínio sobre os que não sabiam brigar e das vastidões que devastamos.

Olhamos lá atrás, na descoberta das Américas, nossos ancestrais furiosos sedentos de glória. Mas olhem Bush, em que difere do velho europeu conquistador? Por que a Europa apoiou as sandices desse novo Hitler? Porque ele representa o que somos, a nossa européia incapacidade de buscar conforto sem derramamento de sangue. Entregamo-nos à velha insana sede de conquista, à realização material sustentada em esqueletos. Olhem as grandes corporações e digam onde está a diferença com os velhos feudos europeus, sustentados em mentiras, mitos e escravidão!

A civilização ocidental não se compreendeu, não pediu perdão por seus crimes e não se perdoou. Assenta-se em conquistas materiais, feito uma galinha alucinada tentando chocar um ovo gorado. Ela quer, a todo custo, gerar o Homem Novo, mas ele não sairá deste ninho. Não sairá de um tubo de ensaio, muito menos de uma enciclopédia. A Natureza aguarda o sincero e honesto pedido de perdão, antes de conceder o reencontro do conhecimento humano com a verdade.

Podemos esperar a re-ligação, a religião da verdade, para um tempo futuro, quando esta adolescente humanidade estiver madura e surrada o bastante para saber-se limitada às margens da Deusa Natureza.

admirável mundo velho, do chico guil, pra carta capital

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