Wednesday, December 27, 2006
metal leve
Sunday, December 24, 2006
con hurras!
Sunday, December 03, 2006
equívoco acertado
Tuesday, November 28, 2006
da civilizatória sanha
Desejei conhecer o Mundo Novo, repleto de liberdade, dádivas e encantamento. Mas o Mundo Velho está no meu sangue, carrega-me feito um rio sujo e lamacento. Nas pequenas ações cotidianas me policio para evitar as manifestações dessa maldição européia. Mas nas próprias expressões da fala e da escrita percebo a ansiosa herança de meus ancestrais.
Quando falam da Europa e de seu conforto material, e eu aqui na selva catando moedas para pagar a conta de água e luz, sinto-me quase livre dessa onda negra que varreu continentes, devastou civilizações e jamais pediu perdão.
Como pode um ser almejar a paz e o conforto antes de alcançar o perdão de seus oprimidos e desgraçados? Não pode, é o que dizem as fibras do meu insólito entendimento. A Europa e suas adjacências permanecem falando de castigo e diabos, apoiando tiranias, como nos velhos tempos, adorando supostos representantes do deus da humildade trajados de seda e incrustados de pedrarias, enquanto no mundo selvagem os pássaros cantam todas as manhãs, livres de Jeová e das pregações insanas de seus profetas.
A Natureza é dura e cruel para com os atores do teatro humano. Ela quer, e vai tirar nossas máscaras, apesar da fanática resistência. Um siriri cantando livre, sentado no tronco seco da guabiroba, nu e desprovido de toda crença e de toda posse, é uma ofensa para o espírito europeu disseminado nessas plagas. O polonês e o italiano que correm em meu sangue invejam a majestade despojada do siriri.
Vejo nos filmes como se amarravam em roupas os nossos ancestrais, a cada século mais amarfanhados para esconder as vergonhas, e ainda hoje nos amarramos em novos e sofisticados andrajos. Criaturas amaldiçoadas, talvez, pelos nossos próprios pecados seculares, e a cada ano promovemos a queda e o sofrimento de novos inocentes. Orgulhamo-nos de nossas conquistas, do domínio sobre os que não sabiam brigar e das vastidões que devastamos.
Olhamos lá atrás, na descoberta das Américas, nossos ancestrais furiosos sedentos de glória. Mas olhem Bush, em que difere do velho europeu conquistador? Por que a Europa apoiou as sandices desse novo Hitler? Porque ele representa o que somos, a nossa européia incapacidade de buscar conforto sem derramamento de sangue. Entregamo-nos à velha insana sede de conquista, à realização material sustentada em esqueletos. Olhem as grandes corporações e digam onde está a diferença com os velhos feudos europeus, sustentados em mentiras, mitos e escravidão!
A civilização ocidental não se compreendeu, não pediu perdão por seus crimes e não se perdoou. Assenta-se em conquistas materiais, feito uma galinha alucinada tentando chocar um ovo gorado. Ela quer, a todo custo, gerar o Homem Novo, mas ele não sairá deste ninho. Não sairá de um tubo de ensaio, muito menos de uma enciclopédia. A Natureza aguarda o sincero e honesto pedido de perdão, antes de conceder o reencontro do conhecimento humano com a verdade.
Podemos esperar a re-ligação, a religião da verdade, para um tempo futuro, quando esta adolescente humanidade estiver madura e surrada o bastante para saber-se limitada às margens da Deusa Natureza.
admirável mundo velho, do chico guil, pra carta capital
Sunday, November 05, 2006
slogan definitivo
Monday, October 30, 2006
camisa de força ou correa na lucidez
Saturday, October 21, 2006
aos que virão depois de nós
Uma linguagem sem malícia é sinal de estupidez,
Uma testa sem rugas é sinal de indiferença.
Aquele que ainda ri é porque ainda não recebeu a terrível notícia.
Que tempos são esses,
Quando falar sobre flores é quase um crime.
Pois significa silenciar sobre tanta injustiça?
Aquele que cruza tranqüilamente a rua
Já está então inacessível aos amigos
Que se encontram necessitados?
É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver.
Mas acreditem: é por acaso. Nada do que eu faço
Dá-me o direito de comer quando eu tenho fome.
Por acaso estou sendo poupado.
(Se a minha sorte me deixa estou perdido!)
Dizem-me: come e bebe!
Fica feliz por teres o que tens!
Ma como é que posso comer e beber,
Se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome?
Se o copo de água que eu bebo, faz falta a quem tem sede?
Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo.
Eu queria ser um sábio.
Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria:
Manter-se afastado dos problemas do mundo
E sem medo passar o tempo que se tem para viver na terra;
Seguir seu caminho sem violência,
Pagar o mal com o bem,
Não satisfazer os desejos, mas esquecê-los.
Sabedoria é isso!
Mas eu não consigo agir assim.
É verdade, eu vivo em tempos sombrios!
II
Eu vim para a cidade no tempo da desordem,
Quando a fome reinava.
Eu vim para o convívio dos homens no tempo da revolta
E me revoltei ao lado deles.
Assim se passou o tempo
Que me foi dado viver sobre a terra.
Eu comi o meu pão no meio das batalhas,
Deitei-me entre os assassinos para dormir,
Fiz amor sem muita atenção
E não tive paciência com a natureza.
Assim se passou o tempo
Que me foi dado viver sobre a terra.
III
Vocês, que vão emergir das ondas
Em que nós perecemos, pensem,
Quando falarem das nossas fraquezas,
Nos tempos sombrios
De que vocês tiveram a sorte de escapar.
Nós existíamos através da luta de classes,
Mudando mais seguidamente de países que de sapatos, desesperados!
Quando só havia injustiça e não havia revolta.
Nós sabemos:
O ódio contra a baixeza
Também endurece os rostos!
A cólera contra a injustiça
Faz a voz ficar rouca!
Infelizmente, nós,
Que queríamos preparar o caminho para a amizade,
Não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos.
Mas vocês, quando chegar o tempo
Em que o homem seja amigo do homem,
Pensem em nós
Com um pouco de compreensão.

Bertold Brecht
(originalmente publicado no cemgrauscelsius.blogspot.com em 21 de fevereiro de 2006)
Monday, October 16, 2006
mas que filho da puta!
Sunday, October 08, 2006
de cu pra cima
Saturday, October 07, 2006
como somos infelizes
bertold brecht
Sunday, October 01, 2006
corpo de delito ou intenções de voto
Friday, September 29, 2006
quanto anos mesmo de perdão ?
Sunday, September 24, 2006
palavras do senhor marquês
sade, in a filosofia na alcova ou os preceptores morais, nos anos 80, em edição da gama.
Friday, September 22, 2006
manuel bandeira
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres etc.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
Não quero mais saber do lirismo que não é libertação
(viagem ao âmago da palavra)
Wednesday, September 13, 2006
eu como o sou
na terra dos maus-caracteres
gilberto amado in a chave de salomão e outros escritos
Monday, September 11, 2006
jesus é fiel ?
Thursday, September 07, 2006
carunchos e tatus cósmicos
Ressonam em meus ouvidos como símbolo de esperança de que as alcance.
Quando você chegou, a humanidade existia há alguns milhões de anos. O mundo já estava carunchado, todo cheio de buracos. É difícil admitir, mas os carunchos somos nós.
Acreditamos que somos uma “raça cósmica”, viemos de outro planeta, e talvez por que não nos sentirmos comprometidos com a Terra é que a perfuramos, raspamos sua superfície, poluímos os ares, esburacando a esfera feito tatus em busca de ouro, dólares e felicidade. Mais que carunchos, somos grandes tatus cósmicos. As marcas de nossa sabedoria obtusa já se tornaram visíveis. Devastamos os continentes, matamos os bichos, cortamos e queimamos as árvores e agora despejamos todo o lodo de nossa civilização nos oceanos. Somos a espécie mais cruel, sanguinária e apavorada que já pisou este asteróide singelo, e em nome deste pavor estamos nos preparando para lhe dar fim. Depois de acabarmos com tudo aqui, fugiremos numa grande nave espacial, guiada por um sujeito chamado Búfalo Bush, o novo Noé!!
Somos essa mistura atômica, essa massa batida de poeira estelar, esses biscoitos andantes, fazedores de totens, adoradores do Ausente, engenheiros do absurdo, arquitetos do futuro, compositores do gozo e da dor. Somos capazes de levantar monumentos ao que haja de mais terno e singelo, como também podemos nos fazer em pedra e massacrar nossa própria espécie, como você verá nos documentários sobre as guerras e nos jornais de todo dia.
Mas apesar de todas as asneiras que cometemos, estamos aqui, com esse sentimento de que é preciso continuar vivendo.
Alguns de nossos semelhantes costumam encarar a vida como “algo” controlado por forças divinas, de entidades invisíveis, de mundos fora do nosso. Para eles, os deuses são criaturas mudas e intocáveis, cheias de bondade e sabedoria, mas também dotadas de poder e de sentimento de vingança. Outros acreditam que a vida foi gerada por forças titânicas, misteriosas, mas palpáveis, que um dia serão reveladas e controladas pelo ser humano.
O que realmente seja, ou o que venha a ser a vida, tem pouca importância. O que interessa é aquilo que pensamos que somos, ou o que pensamos que sejam as coisas em nosso redor, e não o que elas sejam de fato. As pessoas mais educadas compreendem que a vida será sempre inexplicável. Aliás, a inexistência da vida, que se manifesta numa pedra jogada à beira da estrada, isso também é inexplicável. E o correr dos anos nos mostra que a pedra morta também está viva!
Levaremos pelo menos três milhões de anos até chegar a uma conclusão razoável do que seja isto, estar aqui, existindo, e isso é a eternidade.
Partimos em busca de comida porque as horas passam, nossos organismos consomem o que comemos, e já é hora de consumir novamente. Fazemos aniversário porque o girar dos astros gera as horas, o tempo anda, os anos correm, e no fim da corrida está o fim da vida. O que significa este “fim”, ninguém conseguiu dizer. Até agora, só conseguimos nomeá-lo!
Pretendemos fugir da morte indo ao encontro da vida, mas elas andam juntas, e num ponto distante se tocam. O caminho é o tempo, que se mostra sob o aspecto de “espaço” e de outras milhares de formas. Cada fato atrela-se a um segundo, um dia, uma década. Cada obra está sempre contida numa unidade de tempo, nestes casulos temporais onde vivemos, onde se formam borboletas e carunchos de todos os gêneros.
A humanidade é feita de tantos segmentos diferentes quantas são as espécies de insetos que habitam o planeta. Em cada quadra da cidade encontramos uma forma diferente de julgar, de amar, de andar e de estremecer. Filósofos e ditadores tentaram dar à humanidade um formato sólido, de comportamento previsível, e todos falharam. Nossa espécie é vaporosa, feito água que volatiliza na superfície dos lagos, que sobe e se adensa, formando grossas e maduras nuvens, que dia menos dia caem sobre a terra em forma de mansa garoa ou furiosa tempestade. O gênero humano é como um oceano, que forma outros oceanos, num ciclo infinito, cada vez mais volumoso, cada dia mais rico de histórias.
A cada um de nós foi dado um jeito de perceber a passagem do tempo. Para mim, os anos parecem estradas que se perdem no horizonte, avançando em movimentos parabólicos. As décadas instauram o turbilhão das cidades, geram tempestades no deserto, volumosas massas que descambam pelas encostas das montanhas, formando grandes rios e lagos.
A vida fora do homem está isenta das horas, por isso é quieta, serena e absoluta. A vida externa ao pensamento humano espalha-se como uma brisa silenciosa, criando e destruindo mundos. O que vive além do homem é imenso, estupendo, um gigantesco conjunto de criaturas e estruturas que parecem saber muito bem de si, mas que permanecem indiferentes ao labor e às mesquinharias humanas.
O universo das palavras encerra-se num universo próximo.
Para além dele, o silêncio dá todas as instruções.
Você passará muitas horas pensando na finitude da vida. Ficará atormentada ao descobrir que num determinado momento o fluxo será interrompido. Terá noites insones, pensando num meio de fugir a esse destino, mas todas as vezes deparará com a interrupção inevitável. Após anos de revolta, finalmente compreenderá que a vida individual é finita porque de outro modo a “vida” seria impossível. A cada dia, cada ano, a Natureza e a cultura humana irão trazendo para você o conhecimento de que a imortalidade seria uma coisa não somente absurda, mas patética e dolorosa.
Se as flores fossem eternas,
teriam as pétalas duras e cobertas de mofo.
A beleza das flores pertence à sua fluidez.
Num tempo infinito, nossos desejos perderiam todo significado, já que poderíamos saciá-los quando nos desse na veneta. Para a maioria de nós, o sabor que colhemos está sempre vinculado à sua urgência. Aliás, todas as atividades humanas (economia, política, arte, religião, etc) foram se desenvolvendo com um olho na vida, outro na morte. Se os homens não fossem mortais, as regras seriam completamente diferentes. É muito provável que não haveria regras! O sentimento de posse só faz sentido se você sabe que não terá tempo para adquirir, no futuro, o que está desejando agora. A competição entre humanos resulta do medo das sombras, onde o tempo reduziu-se ao máximo, onde a vida já não se pode expandir.
A vida imortal somente seria possível se aceitássemos a transformação da nossa consciência num outro tipo de consciência, ou noutra forma de vida, capaz de desejar o mundo com novos sentidos. Mas ninguém quer perder-se de si mesmo, embora tenhamos de passar necessariamente por esse ponto.
Por outro lado, a descoberta da vida mortal é tremendamente doída. Estar aqui para depois não estar! Isso é injusto, cruel, mas verdadeiro. A existência é o decreto de seu próprio extermínio.
A humanidade precisa tirar as vendas, e olhar, mesmo que lhe inspire terror, a escuridão e a geleira do cosmo. E mergulhada no negro profundo, enxergar com os olhos bem abertos esta vasta esfera, este imenso organismo vivo e vibrante, onde tudo acontece e de onde toda consciência foi gerada.
A Natureza mostrou-me, através dos sonhos, que a minha morte faz parte da receita, como um ingrediente essencial à confecção do bolo. Também me apresentou parte da solução do enigma que envolve a vida e a morte, mostrando como a consciência precisa desintegrar-se para ser sobrevivente.
Os livros me apontaram a imortalidade como o maior castigo que um homem poderia receber. Viver mais de cem anos com a forma humana significaria vagar sobre a Terra feito condenado, sem objetivo, sem desejos, sem destino. Algo como um braço amortecido, quando acordamos de manhã. Ele não somente não pode mover-se ou sentir qualquer coisa, como na verdade não quer. Está morto, estando vivo.
Haverá um momento em que deixarei esta vida, mas a vida, estranhamente, continuará. Você estará aqui, fazendo suas coisas, buscando seus prazeres, sanando suas dúvidas. E haverá um momento em que você também partirá, deixando para trás todos os seus sonhos, esperanças, alegrias. Em que instante isso se dará? Em que circunstâncias? Eu gostaria de saber, mas também sei que esse conhecimento seria insuportável. Qualquer um de nós que soubesse o exato momento de sua morte, teria uma vida terrível. É a ignorância que nos permite viver, lutar e amar.
Acredito na vida, e sei muito bem colher a minha seiva. Mas passei uma certa fronteira inevitável, onde a percepção da morte torna-se um assunto pessoal inadiável. Estou impregnado dela, como também estou cheio de vida.
A cada dia cresce entre os estudiosos a consciência de que vivemos num vasto campo de maravilhas, de pequenos milagres verdadeiros e palpáveis. Temos cinco sentidos para descobrir o mundo, e possuímos uma mente gelatinosa, capaz de nos levar a outros mundos, onde as maravilhas e os sentidos são outros. Nascemos envolvidos numa abóbada azul, formada pelo oxigênio que entra em nossos corpos, que nos alimenta e nos faz vivos. Saboreamos os frutos, que nos dão o sabor e a saciedade, e são eles que nos mantêm em pé. Produzimos música e são os nossos próprios ouvidos que a desfrutam. Fabricamos perfumes para nosso próprio deleite.
Nossos semelhantes costumam falar de um mitológico “maná”, que descia dos céus nos tempos bíblicos, que alimentava a humanidade, e por ele ainda suspiram. Sentem-se mergulhados na desgraça, abandonados por Deus, que nos tempos antigos fazia tantos milagres! Não percebem que o maná continua caindo, em forma de raios solares, de gotas brilhantes que molham a Terra. Tampouco compreendem que o maná está debaixo de seus pés. Basta soltar as sementes e regá-las, e em poucos dias o maná se transforma numas coisas extraordinárias chamadas ervas, arbustos, morangos, milho, leitões!
Quando passa a infância, as pessoas costumam perder sua capacidade de deslumbramento. Não conseguem admirar-se por nada, senão por sua incrível capacidade de ganhar dinheiro, de causar ciúmes, de fazer jogos, onde disputam, esquartejam-se e matam-se. A vida então se torna cinzenta, cruel, azeda e besta.
crônica de chico guil, no diário da jade, publicada na carta capital on line.
Sunday, September 03, 2006
castro, mas não fidel
pois, olhe, pode acreditar numa coisa: ele não sabe".
Saturday, September 02, 2006
dialética
Wednesday, August 30, 2006
lula lá, mas este e não aqueloutro
mais lula a dar com o pau
Não é preciso citar Marx e sua mais-valia, ou mesmo Adorno: “Quem é rico ou fica rico percebe a si mesmo como alguém que realiza ‘com suas próprias forças’(...) O que vê o espírito objetivo: a predestinação irracional de uma sociedade que se mantém coesa através de uma desigualdade econômica brutal? É assim que o rico pode lançar na conta de sua bondade o que, entretanto, apenas atesta a ausência dela mesma. Ele mesmo se percebe e é percebido pelos outros como um homem realizado. (...) O homem injusto transforma-se regularmente no justo, e não por uma simples ilusão, mas sustentado pela onipotência da lei, mediante a qual a sociedade se reproduz”.
Sequer faz-se necessária a leitura de Leo Huberman e seu clássico A história da riqueza do homem. Não precisa nada disso, meu caro. A injustiça, a iniqüidade, É algo aviltante, “grita aos olhos”. Não precisa buscar respaldo em erudição alguma. Tá na cara.
Ah, meu prezado, não me venha com aquele “tatibitate” um tanto esnobe, típico tergiversar de ricos: “Mas qual o seu conceito de rico? Isso é relativo”. Relativo!? Num país como o nosso em que grande parte da população não tem onde condignamente repousar o esqueleto, sequer tem o que comer, e muitos se alimentam das sobras que catam no lixo, não resta margem para erros ou confusões. Rico é rico. Pobre é pobre (desculpe a pedagogia da obviedade). E entre estes se interpõe o pelego, aquele que suaviza o atrito e o conseqüente desgaste: a classe média.
Rico é o burguês. E burguês, para quem está mais habituado ao uso vulgar e quase sempre impróprio do termo, é o nome que se dá ao indivíduo pertencente àquela classe social que detém os meios de produção chamada de burguesia. Aquele pessoal que se originou lá nos burgos, lá num passado longínquo, com a derrocada do feudalismo. Tá se lembrando? Ricos são os grandes empresários, industriais e comerciantes, os donos do capital etc.
Então... Ricos são aqueles que têm mais carros na garagem de casa do que pessoas habilitadas a dirigi-los, mais imóveis do que os necessários a sua morada. Ricos são aqueles que no fim de semana não sabem se vão à casa de praia, à casa de campo ou se dão “uma passadinha” em Paris, Veneza, Miami ou New York (Bahamas hoje é coisa de “novo rico”, é brega). Ricos são aqueles que nunca, jamais limpam, limparam ou limparão o vaso do próprio sanitário. Ricos são aqueles que se fartam à mesa de restaurantes grã-finos e pagam contas bem maiores do que os salários que pagam aos seus empregados. Ricos são aqueles que moram bem e raramente adoecem, por que comem bem. E quando, fato raro, adoecem não precisam acordar de madrugada para disputar uma senha nas filas do SUS. Você já viu a quantidade de idosos (pobres, é claro) que esperam horas e horas nas quilométricas filas dos hospitais públicos em busca de atendimento médico? Coisa de cortar o coração. Mas por que se preocupar se, nas raríssimas vezes em que ficam doentes, os ricos, os “remediados” ou mesmo algum parente mais próximo destes, podem ir, de carro (ou de helicóptero ou avião), com todo conforto, ao Albert Einstein, ao Sírio Libanês, ou ao “Não sei o quê” Memorial Hospital?
Ricos, dizendo claramente, com todas as letras, são aqueles que se apropriam indevidamente da riqueza, acumulando-a, quer seja através da exploração do trabalho alheio quer seja por intermédio de favores dos governantes (prebendas, financiamentos a fundo perdido etc.), da corrupção, da contravenção, do tráfico de drogas. Lavando o dinheiro e limpando a consciência. Exagero meu? Ranço classista?
É a mais pura verdade, desde o início dos tempos! Aqui, na república de bananas, vem desde o tempo das capitanias hereditárias até hoje. Até hoje ainda pode-se encontrar felizes herdeiros de algum donatário por aí com terra a perder de vista. Por exemplo, eu mesmo, confesso, sou descendente (bem distante e, talvez por isso, empobrecido) de uma família “burguesa”. Branco, de olhos claros, descendente de senhores de engenho que tinham seu bom pedaço de terra e até alguns escravos. Quer ignomínia maior que a escravidão?
E o que experimentamos hoje nesse nosso arremedo de capitalismo senão uma nova escravidão? Ou você acha que pagar salário mínimo (o nosso salário mínimo!) a um empregado não é algo vil, não é uma escravidão disfarçada, legitimada, legalizada? Ou você ignora, ou finge não saber, que as favelas e os bairros periféricos são as novas senzalas? É tão difícil assim reconhecer isso? Um típico rico pensaria denotando certa indiferença: “Eles que fiquem com a miséria e a violência deles para lá”. Ah, meu caro, o primeiro passo para transformar essa realidade infame que vivemos é encará-la sem hipocrisia. Dar nome aos bois, sem eufemismo.
“É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico ingressar o reino de Deus”. Palavras atribuídas a Jesus Cristo – que era pobre. Figura de retórica perfeita! Simpática metáfora! Mas nem por isso, tantos anos/séculos d.C., os ricos deixaram de freqüentar igrejas. Nem por isso as igrejas deixaram de se unir aos poderosos para melhor governar. Um consórcio que vem dando muito certo ao longo da história. “A minha igreja é a dos pobres, dos desafortunados”. Quem disse isso? Ele, JC. Faço minhas as Suas palavras.
Num país como o nosso, com essa vergonhosa desigualdade social, com milhões e milhões de miseráveis, a riqueza ostentada pelo burguês é, sim, um acinte. Pois, então, ele que se cuide. Ele, burguês, que ande sempre em carros blindados, e devidamente cercado por parrudos e engravatados seguranças. Ele que aumente o muro das suas propriedades (de seus latifúndios, de suas casas e apartamentos nababescos) e cerquem-nas com cercas elétricas e farpadas. Como negar, como já disseram tantos pensadores, notadamente os anarquistas, que “toda propriedade é um roubo”. Ele, burguês, que se agarre aos seus privilégios enquanto pode, pois um dia (ah, esse dia há de chegar!) nós vamos ocupar suas mansões, nos fartar à sua mesa; nós vamos fazer compras em seus shoppings, nossas crianças vão também ter o direito de estudar nas boas escolas onde estudam seus filhos; nós vamos distribuir melhor a riqueza desse país!
toda riqueza é aviltante*, crônica do lula miranda, publicada na carta capital,a revista que isto é, para causa épocas, que vêem mais que os óia de ocasião.
*texto extraído do livro “balão de ensaios – poesia e engajamento”, já esgotado e aqui reeditado virtualmente(nota da carta capital)
Friday, August 25, 2006
leminsky
Thursday, August 24, 2006
brecht
Saturday, August 19, 2006
picasso
dna
Charles Bukowski. O grande Casamento Zen Budista.